Nuno Martins Melo
Nuno Martins Melo
“Nunca imaginámos este sucesso!”
Considerados, no ano passado, pelos World Travel Awards como o projeto mais inovador da Europa, os Passadiços do Paiva são uma obra do arquiteto Nuno Martins Melo, vencedor do Prémio Nacional de Arquitetura em Madeira 2017. Em entrevista, o arquiteto revela que não imaginava o impacto que a sua criação veio a assumir no turismo da região.
Qual o significado deste prémio?
Este prémio tem um significado especial por diversos motivos. Foi sem dúvida uma honra tê-lo recebido e ao mesmo tempo um orgulho obter esta distinção. Mas o seu significado especial tem mais a ver com todo o desenvolvimento que este projeto e obra tiveram ao longo de todo o seu percurso. Foi um desafio fazer este projeto e também uma boa surpresa o seu resultado final.
Este prémio tem como significado o somatório de todas essas partes que constituíram a obra: a ideia inicial, o projeto, a construção e, por fim, o impacto que teve junto das pessoas.
Os Passadiços do Paiva são um “fenómeno turístico”, que já levou milhares de pessoas a percorrer as margens do Rio Paiva. Quando concebeu este projeto estava à espera deste sucesso?
Estávamos obviamente à espera de que iria ser um projeto diferente e, por isso, poderia criar um interesse maior junto das pessoas. E essa, em parte, foi uma das razões que nos levou, projetistas, a abraçar imediatamente este desafio/ideia original lançado pela Câmara Municipal de Arouca, em 2010.
Agora, imaginarmos há sete anos que iríamos chegar onde chegámos, com todo este sucesso, e com este prémio, temos de ser honestos, nunca imaginámos. Foi sem dúvida o resultado de muita dedicação e força de vontade de todos os intervenientes desta obra, desde o promotor até à sua construção.
Inicialmente, quando concebemos este projeto tivemos muita atenção ao detalhe e à forma de integração do desenho do passadiço com a paisagem. Era, já de início, uma vontade nossa que se distinguisse de outras obras com as mesmas características e foi sempre esse o nosso princípio na sua conceção.
Podemos resumir que foi sempre projetado e concebido para o sucesso, mas nunca imaginando todo este impacto.
Os Passadiços são uma obra sublime, mas frágil ao mesmo tempo, tendo sido já afetados pelos incêndios, por exemplo. Esta fragilidade é inevitável? Como poderia ser contrariada?
Penso que o problema não são os passadiços e a sua fragilidade, mas sim a forma como continuamos a olhar para a floresta, e, muitas vezes, para o nosso país. Este último incêndio em Pedrógão Grande e a catástrofe que provocou são um bom exemplo. Foram destruídas casas, fábricas, grandes áreas de floresta e, mais tristemente as pessoas que morreram por causa deste incêndio, mostram que somos um país que não olha para a prevenção como o passo mais importante a dar, de forma a evitar estas tragédias.
O poder local também devia ter mão forte na organização do seu território, e neste caso sobre a floresta. Muitas vezes parece, e eu que não percebo do combate a incêndios, que esta é uma situação inevitável. Quando começa um incêndio não existe uma forma de o circunscrever e de o limitar a uma área. Quando começam, as chamas vão-se desenvolvendo pela floresta fora, levando pela frente tudo, aldeias, casas, estradas e, infelizmente nos últimos dois anos, os passadiços.
É possível explicar o processo de criação e trabalho deste projeto arquitetónico?
Existem alguns princípios base que orientaram este projeto. Olhámos inicialmente para a grande escala, desenhámos esta linha ao longo da topografia do terreno tendo sempre em atenção a paisagem, os pontos de vista privilegiados, as exigências das diferentes entidades e a “elegância” que o passadiço iria desenhar na paisagem.
Todo este trabalho, a esta escala, só pôde ser afinado bem mais à frente, aquando da sua construção. Aí, tivemos um excelente trabalho desenvolvido pela empresa de construção que soube sempre manter a ideia base durante a implantação do passadiço no terreno.
Depois seguimos para a pequena escala e olhámos para a forma como o passadiço se podia distanciar dos outros projetos. Surgiu-nos a ideia de conceber esta guarda ligeiramente inclinada para a paisagem, rematada com um corrimão/tabuleiro que permitisse pousar os braços, admirar as vistas e ao mesmo tempo transmitir uma boa sensação de segurança.
Este conceito, lembro-me, foi várias vezes debatido entre nós, projetistas, e ao início não havia muito consenso, principalmente pela quantidade de madeira necessária para obter este resultado, um sistema mais simples e económico bastava, mas o seu resultado final acabou por criar uma imagem forte no passadiço, tanto em pequena escala, quando estamos sobre o tabuleiro a passear, como em grande escala, quando se vê ao longe na paisagem.
Quais foram as suas inspirações?
No início deste projeto existiam várias infraestruturas que tinham de ser pensadas. Um bar suspenso, uma ponte sobre o rio a servir de esplanada e por fim o passadiço. Tivemos várias abordagens nos diferentes pontos do projeto tendo sempre como princípio base o uso da madeira.
Quando começámos a projetar o passadiço (falando da parte do projeto que foi construída) surgiu-nos logo a ideia de criar uma guarda/miradouro. Lembro-me que a guarda do passadiço poderia transmitir um sentido de segurança e elegância, e isso seria o ponto forte deste projeto. Achámos que uma abordagem, naquele sentido, poderia resultar e, por fim, passou mesmo a ser a peça central de todo o conceito e imagem dos passadiços.
Essa foi mesmo só a única base de inspiração de que me recordo, e a partir daí foi desenhar o projeto, de forma a que tudo fizesse sentido.